Na Roda do Samba pag - 25
[019] A origem do Samba
Qual é a origem do samba ?
Chi lo sá?
Segundo os nossos tataravós, o samba é oriundo da Bahia.
A palavra é composta de duas outras africanas :
SAM – que quer dizer PAGUE
BA – que quer dizer RECEBA.
A respeito contam a seguinte lenda :
Havia na Bahia um africano e um escravo e escra-visados eram tambem sua mulher e sete filhos. Com muito sacrificio, conseguio elle ajuntar a quantia de 7:000$000 e escondel-a em logar bem seguro.
Adoecendo gravemente e sentindo a ronda da morte, chamou o filho mais velho, a quem revelou tudo: que em tal sitio, debaixo de uma arvorre que tinha signal, cavando cinco palmos, deveria encontrar uma lata e dentro della uma cúia contendo 7:000$000.
Com esse dinheiro, libertasse a sua velha com-panheira de mais de 50 annos e todos os seus filhos. E o pobre velho assim concluio: – Eu morrerei escravo. Irei servir a Deus Nosso Senhor – lá no Céo ! Peço a todos que rezem por mim.
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Reunidos mãe e filhos todos começaram a rezar tres vezes ao dia – ás 6 horas da manhã, ao meio-dia e ás Ave Maria.
E, como que por milagre, mesmo sem a assistencia medica, a que o escravo não tinha direito, elle foi melhorando.
O filho possuidor do segredo, vendo isso, correu ao logar indicado, cavou, descobriu a lata e de posse do dinheiro, fugio para a então Provincia do Pará.
Restabelecido e sabedor da fuga do filho, o velho foi ao local e certificou-se da velhacaria, transmittindo-a a mulher e aos filhos, para que todos ficassem sabedores da acção indigna de seu filho mais velho.
Em africano, elle pronunciou esta sentença: – OLORUM NÃ LARE' (Deus te desconjuro). * * * Dahi em deante, mulher, marido e os filhos restantes, começaram a trabalhar, trabalhar com afinco e algum tempo depois obtinham a carta d'alforria.
Emquanto isso succedia na Bahia, o velhaco fugitivo progredia no Pará e, annos depois, estando
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muito rico, vio-se acossado ou pela saudade dos paes e irmãos a quem trahira, ou do torrão onde nascera ou mesmo pelo remorso e regressou á Bahia disposto a obter por qualquer preço a liber- [021] dade sua e dos seus, conquistando deste modo o perdão de seu pae. Qual, porém não foi sua surpreza quando chegou e soube que da familia – era elle o unico escravo e que seu pae estava muito rico, como chefe de estiva ! Procurou então os africanos que na Bahia constituiam – o «conclave» – e prometteu ao Chefe uma quantia bem regular se conseguisse que o pae o perdoasse. O caso era dos mais graves e só mesmo o «conclave» poderia resolver – depois de um africano haver excommungado seu filho ! Mas, já naquelle tempo, o dinheiro era um caso sério... Ante Sua Magestade Money, não havia impossiveis. O Chefe tomando em alta consideração a offerta, combinou com os outros membros do «conclave» e disse ao rapaz: – Mê fio, vae havê uma fésta glande, que sua
Francisco Guimarães (Vagalume) 28papae é obligado a cumpalicê. Vossuncê vae tambem ni fésta e léva «bongo» di papae que vae sê obligado a lecebê e predoá. O Chefe foi immediatamente embolsado da offerta, porque – o seguro morreu de velho... No dia da festa, o velho africano na sua boa fé, lá compareceu. Eis que de repente surge-lhe o filho. O velho exclamou pocesso: – OLANA' ! (amaldiçoado).
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O Chefe fez um signal e houve silencio profundo.
Reunio-se o «conclave» e na sua soberania deliberou: QUE não havia motivo para que a divergencia continuasse, em vista do arrependimento e das boas disposições do filho perante seu pae, a quem por intermedio do Conselho, pedia perdão.QUE o regimen africano não soffrera golpe, porque quando o filho se apossou do dinheiro, teve em mente applical-o no trabalho honesto, fazendo assim crescer o cabedal dos africanos e seus descendentes. QUE deste modo, não havia motivo para a
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«excomungação». QUE em vista do arrependimento do filho e suas disposições querendo indenizar a seu pae e delle obter o perdão e a benção, o pae estava na obrigação de receber a indemnisação, perdoar e abençoar o filho. Resolvendo deste modo, o «conclave» obrigou o pae abençoar o filho, depois de proferir o perdão em voz alta : – MOFO – RIJIM – E' ! (Eu te perdoo). Feito isto, deu-se a cerimonia da sentença. Todos de pé, num gesto uniforme e em voz alta, dirigindo-se ao filho exclamaram : – SAM !... (Pague). E elle respeitoso, depois de uma genuflexão ante os membros do Conselho, ajoelhou-se aos pés do pae, offerecendo-lhe um pacote com 7:000$000.
[023] Em vista de incisão do pae, que fôra tomado de grande emoção, os conselheiros batendo com o pé repetidas vezes ordenaram: – BA ! (Receba). As pessôas presentes, segundo o rithual, repetiram : SAM ! BA ! Ninguem se atrevia a desrespeitar uma decisão do
Francisco Guimarães (Vagalume) 30Conselho, porque sabia ao que estava exposto. Pae e filho, num apertado abraço, ficaram bons amigos. Em seguida, pela pacificação da familia que era muito conceituada, todos cantaram e dansaram repetindo sempre: SAM ! BA !
E ahi está a origem do Samba.
Fonte: Na Roda do Samba 3
FRANCISCO GUIMARÃES (VAGALUME)
NA RODA DO SAMBA
Typ. SÃO BENEDICTO Carmo, 43 – Rio 1933
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