segunda-feira, 2 de maio de 2011

MAIS UMA SANTA DO POVO VARZEALEGRENSE

Na foto, dona Salvinha Alves conhece o local onde sua tia Licosa foi enterrada. Acima, a chave da capelinha, a Nossa Senhora sentinela do local, a visão externa da capelinha e cruzes de enterros feitos ali (Foto: Igor de Melo )Acredito nela. Pedi para meu filho passar no vestibular. É meu sonho.

Licosa era fraquinha de juízo, abilolada. Inocente, beirando 40 de idade. Quando dava fome e sede, batia na porta alheia. Lotava prato, água de dois copos. Depois seguia rumo. Sítios, matas ou ruas dali de Várzea Alegre que fossem. Conhecida de tantos, mas ninguém guarda nenhuma foto sua - nem existia fácil isso naquela época. Desde pequena teve a tal “doença dos nervos”, doidice, loucura, mente delirante, atazanada...

Se a inocência dela virava inquietude, os pais decidiam amarrá-la num quarto. Não havia dolo, era a aflição. Mais por desinformação e distância da Capital naqueles tempos. “Meu tio prendia porque ela fugia”, conta a sobrinha (em segundo grau) da protagonista, Salvenir Alves, 49. “Salvinha” é das que ainda sabem algum detalhe a mais da história de Licosa Pagé. Tudo de ouvir falar.

A família tentava segurar, ela escapulia. Uma, mais uma, fez várias vezes. Loucura pede liberdade. Licosa vivia de explorar aquele seu mundo particular. Talvez incompreendida por quem se acha são. Andou pelo Riacho do Meio dos Bilicas, Charneca, Traíras, Unha de Gato, Capão... Um dia sumiu de vez.

Uma das versões que sai dos repentes, cordéis e da oralidade local é que, na derradeira andança, Licosa foi se banhar num açude e estendeu a roupa lavada. Continuou o mergulho, veio um animal, pastando perto, e devorou as vestes. E Licosa, sozinha, se escondeu na mata até morrer. De fome e sede.

Acharam o corpo mais de semana depois. Já era busca de muitos. O aviso do local foi dado pelo sobrevoo de urubus. Era perto de uma grota que ainda mina água quando não há estio. A 22 quilômetros da sede de Várzea Alegre. Fica em Traíras, caminho para Xiquexique, já território da vizinha Cariús. Mata fechada barranco abaixo.

O traslado para a cidade ficara impossível e lá mesmo ela foi enterrada. Fincaram a cruz, marco de respeito à morta. Depois uma capelinha, modestíssima. Surgiram as primeiras preces e graças. Alguém ter espalhado que foi valido, ecoou. De repente, caravanas de reverência. De São Paulo, Piauí, Pernambuco, Fortaleza. Licosa, a louca, virou santa. A pureza insana ganhou devoção.

Ilda Gonçalves, 51, mora no sítio mais próximo à cruz de Licosa. Guardiã da chave da capela desde 2000. Num chaveiro de coração com o nome da santinha. “O corpo foi achado em novembro de 1958”, diz, em precisão de devota. “No último dia que ela passou aqui dormiu na casa de minha mãe (Antônia Ferreira), no Riacho do Meio dos Bilicas”.

Dona Maria Nilda Alves, 73, sobrinha de Licosa, evangélica, diz que ela sabia mentir para se proteger. “O nome dela era Maria (Licosa era apelido de infância). Era irmã de meu pai. Sempre gostou de sair. Louca desde que conheci, mas na doidice dela era sabida. Quando via alguém e tava com medo, inventava ‘ande, papai, caminha’”. Esperta.

Pelo local ermo onde o corpo foi achado, nunca foi cogitada a possibilidade de Licosa ter sofrido algum tipo de abuso sexual ou agressão. Ou não se tem registro de uma investigação criminal disso. “Ela era morena, bonita, alta, cabelo preto, cobiçada”, relembra dona Maria Nilda. Quem a conheceu ou ouviu histórias conta a vida de Licosa assim.
Julho e outubro são as épocas de maior visitação à cruz de Maria Licosa, segundo dona Ilda Gonçalves, que mora a sete quilômetros da capelinha e guarda a chave do local. %u201CSe ela não for santa, pelo menos tem bastante poder e interseção de Jesus%u201DO caderno acima tem manuscritos, com rimas de seis versos, contando a história de Licosa. Está com familiares dela. Foi feito por Joel Alves de Oliveira, ano desconhecido. O poeta fala da loucura, das andanças e dos últimos dias de Licosa Licosa ainda tem irmãs vivas. Ambas residem no Interior paulista. Rosa Alves, que dizem ter cerca de 80 anos, mora em Suzano. Zulmira vive em Jundiaí. O POVO não conseguiu contato delas - os familiares não dispunhamLicosa já esteve internada em Fortaleza, no Hospital São Vicente de Paulo. A família, segundo Salvinha, quis trazê-la para a Capital na esperança de um tratamento mais profundo e contínuo. Durou poucos dias.

www.opovo.com.br/app/opovo/cadernosespeciais/santificadosi/2011/04/30/noticiassantificados,2166810/loucura-e-liberdade-de-maria-licosa

Um comentário:

  1. Parabens Claudio.

    Licosa - outra personagem esquecida pela historia. Só a fé religiosa vai salva-la nas lembranças.

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