sábado, 13 de maio de 2017

RETRATO DE MÃE POR WASHINGTON PINHEIRO



Mãe volto a ver-te no mesmo cantinho
Onde um dia a larguei quase sem fala
E em prantos no batente lá da sala
Parti com o meu coração em desalinho
E fui viver as dores do mundo sozinho
Hoje subindo a calçada ainda avistei
O vulto do meu galamarte que deixei
Rangendo ao som do carvão moído
Fui rever a casa onde fui nascido
Senti tantas saudades que chorei

Atravessei o corredor com emoção
Foi ali que um dia eu bati bola
Vi a cadeira que carreguei para a escola
E a maquina que ajudei cobrir botão
O castelo e as castanhas pelo chão
A paisagem que na parede retoquei
Vi o lugar da rede que me balancei
Revi os sonhos que havia esquecido
Fui rever a casa onde fui nascido
Senti tantas saudades que chorei

Cheguei a sala da mesa que subia nela
Lugar fui mimado e brinquei tanto
Vi a cômoda do cartório ali no canto
O osso do pirão o martelo e panela
E o meu jantando sob luz de vela
O barulho do caneco que derramei
A toalha e o terraço onde me lavei
Vi o tempo passando despercebido
Fui rever a casa onde fui nascido
Senti tantas saudades que chorei

Desci deslizando os batentes da cozinha
Pude ver o fogão de brasa assando milho
A fumaça na telha arrancando o brilho
E o reboliço dos pombos na salinha
Na panela carde de bola bem quentinha
O café chaleira onde me queimei
Num canto o pião que eu tanto brinquei
E o João teimoso que eu havia recebido
Fui rever a casa onde fui nascido
Senti tantas saudades que chorei

No quintal com pressa fui entrando
Vi os tanques o engenho e a moagem
A fábrica de caminhões e a garagem
Vi um galo de campina me saudando
Na cajarana um golinha acompanhando
E o gado de osso que tanto transportei
Nos carros que eu mesmo fabriquei
Um filme da vida real por mim foi vivido
Fui rever a casa onde fui nascido
Senti tantas saudades que chorei

Nestes versos revi a nossa vida
Agora na clausura do meu degredo
Olha as sombras e as vejo com medo
Do peso anos vividos e da lida
O sonho de grandeza Mãe querida
Afastou-me das coisas que amei
Agarrado as raízes por ti rezei
Na certeza de não ter te esquecido
Fui rever a casa onde fui nascido
Senti tantas saudades que chorei
  
Retrato de Mãe.

Washington Pinheiro

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