As 82 obras expostas do pintor Maciej Babinski ficam em cartaz de hoje até o próximo dia 18 de março no Sobrado Dr. José Lourenço, Centro: o amor de um polonês radicado em Várzea Alegre pelo Ceará
A exposição marca os 80 anos do artista, com uma seleção de 82 obras pintadas em Várzea Alegre, onde mora
Sobre os vales baldios, estradas de terra batida e sol escancarado da pequena Várzea Alegre, no sertão do Cariri, o olhar de um mestre polonês que, aos 80 anos, é uma das grandes expressões da pintura brasileira (radicado no Brasil desde 1950), testemunha e ator de grandes transformações artísticas no século XX, das múltiplas técnicas, correntes e culturas. Há 20 anos no Ceará, Maciej Babinski segue se recriando, sob a inspiração da terra que adotou, e presenteando a cultura cearense com sua maestria.
Em retribuição, o Sobrado Dr. José Lourenço, equipamento cultural vinculado à Secretaria da Cultura do Ceará (Secult), organizou uma mostra em sua homenagem, reunindo 82 obras recentes do artista, entre aquarelas, gravuras em metal e óleo sobre tela. A abertura será, hoje, a partir das 19 horas, e contará com a presença do artista. No sábado, dia 21, ele participa de um bate-papo sobre sua obra, também no Sobrado Dr. José Lourenço, na primeira edição do ano do projeto Café do Zé, a partir das 10h.
Obras
A passagem pelo Ceará marcou o desabrochar do Babinski pintor, passando de gravuras e aquarelas de tamanho médio a quadros de óleo em tela de grandes proporções. "Outro dia, conversando comigo, falou que o Ceará produziu na imaginação dele toda uma avivação. Efeito que ele calcula que seja similar ao dos cordelista. Aqui ele pôde desabrochar seu realismo mágico", conta Dodora Guimarães, curadora da exposição, dando conta do motivo do título da mostra: "Ceará de Babinski - Um Fabulário Incandescente de Maciej Babinski". Todas as obras foram produzidas já em sua estada no Ceará.
"Em 1991, fui tomada de assalto por um telefonema de uma pessoa que nem sei quem é, de São Paulo, querendo os contatos do Babinski. ´O Babinsli está morando no Ceará, no Crato´. Fui investigar e soube que ele casou com uma cearense e estava morando em Várzea Alegra", recorda a curadora, sobre a surpresa de ter um mestre desta magnitude de mudança para o Estado.
Babinski traz no currículo participações em grandes mudanças e desafios da arte e da cultura como um todo da metade do século XX para cá. Fugido da Polônia ainda criança devido à invasão alemã na Segunda Guerra Mundial, ele passou por Inglaterra e Canadá antes de chegar ao Brasil.
"No Canadá, ele viveu o grande conflito da arte abstrata. Quando ele se transfere para o Brasil, ele chega em um momento de outra grande mudança, marcada pela Bienal Internacional de São Paulo de 1951. Ele pôde viver esse outro impacto cultural que Bienal imprimiu na cultura brasileira", cita Dodora, entre as inúmeras experiências do artista, que incluem ainda a convivência com mestres como Oswaldo Goeldi, Antônio Rodrigues e Darel Valença Lins. "Ele chega no Rio nesse momento e tem a oportunidade de conviver com essa inteligência e depois vai São Paulo nos anos 60, 70 e vivencia a formação do mercado da arte brasileiras. É uma trajetória muito rica", completa.
Ceará
A exposição que se inaugura hoje começou a ser formatada há três anos, após uma visita de Babinski ao Sobrado Dr. José Lourenço. A ideia, segundo Dodora é prestar um tributo e mostrar a produção de um mestre que aos 80 anos continua criando com "vigor e o frescor". Por serem todas obras já pintadas no Ceará, é possível se dimensionar o impacto das paisagens cearenses em suas produções. "As cores, a luminosidade, o incandescente, são os efeitos da luz do Ceará sobre a pintura dele. É agressivamente iluminada. Você não fica indiferente a paisagem, o nosso sol realmente queima", analisa. Se debruçando sobre esta produção mais recente de Babinski, Dodora detalha uma obra figurativa que traz narrativas em suas composições. "São coisas que podem chamar de conto, que tem toda uma gramática, uma construção poética baseada na realidade. O diferencial é que ele transmuta essa realidade", elucida.
Ela identifica ainda, entres as diversas influências e referências de Babinski, traços da pintura americana, como o realismo mágico, trabalhando essa narrativa com imagens que beiram o sobrenatural. "As gravuras são incríveis, têm um fabulário que tangencia diversas fronteiras, o erótico, o político, o afetivo. São muito fortes, muito ricas. Ele é um artista com uma cultura visual como poucos", reforça.
Publicações
Durante a abertura da exposição, serão lançadas duas publicações com a obra de Maciej Babinski: o livro "Inferno Estético", editado pelo Museu Nacional da República (MNR), com textos em três línguas (francês, polonês e português) e reproduções de 59 gravuras de Babinski que fizeram parte de uma exposição homônima ao livro em 2010 no MNR; e um catálogo editado pelo Sobrado Dr. José Lourenço sobre esta nova exposição, com reprodução das obras e que será distribuído gratuitamente.
Da Polônia ao Ceará
Referência nas artes plásticas brasileiras, Maciej Antonoj Babinski nasceu na Polônia em 1931. Começou seus estudos de arte ainda aos nove anos de idade, após mudar-se com a família para a Inglaterra em consequência da invasão nazista a seu País durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). É desta época sua iniciação à aquarela. A gravura aparece para ele em 1949, após mudar-se com a família para Montreal, no Canadá, onde estudou pintura com John Goodwin Lyman, na Mc. Gill University; gravura com Eldon Grier; e desenho e pintura com Goodrich Roberts, na Art Association of Montreal. Durante sua passagem pelo Canadá, Babinski se aproxima do grupo vanguardista Les Automatistes (Os Automatistas), que tem como referência o pintor Paul-Émile Borduas. Com eles, ele expõe em 1952 no Musée des Beaux-Arts de Montréal e, no ano seguinte, faz sua primeira mostra individual, também no Canadá. 1953 é o ano que também marca sua mudança para o Brasil, integrando-se a artistas como Oswaldo Goeldi, Augusto Rodrigues e Darel Valença Lins. Babinski produziu ativamente no Rio de Janeiro até 1965, quando é convidado para lecionar no Instituto Central de Artes da Universidade de Brasília (ICA/UnB), função que ocupou por pouco tempo, afastado por razões políticas. O artista passa a viver em São Paulo, de 1966 a 1974, depois Minas Gerais, onde leciona na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), de 1979 a 1987, e retornando a UnB em 1988, após a anistia. Aposentado, ele muda-se para o Ceará em 1991, dois anos após conhecer o Estado, em uma viagem com amigos. Passa a residir, desde então, em Várzea Alegre, no sul do Ceará, onde continua produzindo intensamente, dedicando-se especialmente as telas em óleo.
LIVRO
Inferno Estético
Maciej Babinski
Museu Nacional da República
2012, 134 páginas R$ 30
Exposição de Maciej Babinski, hoje, às 19 horas, no Sobrado Dr. José Lourenço. Contato: (85) 3101.8826.
Fonte: Diariodo Nordetse
FÁBIO MARQUES
REPÓRTER
FOTO: NATINHO RODRIGUES
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