quarta-feira, 1 de novembro de 2017
O CEARENSE Rdº LUCAS BIDINHO
O cearense só vive
Olhando para o nascente
Pensando amargosamente
No inverno
É um sofrimento eterno
De dezembro a fevereiro
Só espera o aguaceiro
Chegar
Quando começa a tardar
Muita gente faz promessa
Pra ver se a chuva começa
Então
Se pelo menos um trovão
Qualquer sertanejo ouvir
Começa logo a sorrir
Bem contente
Diz o velho experiente
Ouvi ontem a rã raspar
E a formiga trabalhar
De dia
Diz outro a minha agonia
É se o xexéu não cantar
Ninguém não deve plantar
Que não chove.
Que meu pai em dezenove
Já que o xexéu não cantou
O roçado que plantou
Perdeu
Então ele resolveu
Ir escapar no Pará
Só Voltou ao Ceará
Depois
No ano de trinta e dois
Imigrou pro maranhão
Anos depois com sezão
Voltou
Em quarenta e um plantou
Mas não lucrou quase nada
Também ouve trapalhada
No inverno
Disse ele bem moderno
Agora em quarenta e dois
Eu vou plantar arroz
E milho
Tu preste atenção meu filho
Se ouve o xexéu cantar
Se ouvir irei trabalhar
Animado
Passei um mês acordado
E nuca o xéxeu catou
Nem o inverno chegou
Em fim
Alguém critica de mim
Ou dom meu dom de profeta
Mais eu nunca fui pateta
Pra errar
Quando a peitica cantar
Mesmo em época de verão
Conte com chuva no chão
Logo
E no carão também jogo
Ave que não canta a toa
Chove muito ou se enevoa
Se cantar
Se o gavião peneirar
Fita experiência boa
Galinha d água só voa
Pra chover
Compadre pode entender
Que não deve nem plantar
Quando o enxú se arranchar
No riacho
Pois se tem o despacho
Tão certo como aviso
Se você possuir juízo
Não planta
Pode é roubar santo ou santa
Fazer promessa a São Guido
Que é um tempo perdido
Porque
Se santo chegasse a ter
Poder contra a tirania
No nordeste não havia
Fome
Nas secas se invoca nome
De todos santos e santas
Mas as aflições são tantas
Que faz dó
Bem dizia minha avó
Somente Deus no seu trono
É o verdadeiro dono
Do poder
Depois de Deus não querer
Não há promessas que vogue
Não há criança que rogue
Que venha
É comparar a penha
Com o prego pequenino
É comparar um menino
Com o velho
Palavras do evangelho
Aquilo que Deus não quer
O Santo o homem a mulher
Não dão jeito
O que Deus faz é bem feito
É um pensamento antigo
Mas eu já vejo o perigo
Na frente
Estradas cheias de gente
Subindo pro Maranhão
Grudadas de pé no chão
E com fome
Alguns dizendo que come
Ameaçando a trinchete
Já tem havido cacete
Por desgraça
Mas eu não sei o que faça
Eu nada tenho e não peço
Do mundo eu tenho o ingresso
E entro
Quando eu chegar lá no centro
Quem quiser morrer que morra
Quem quiser correr que corra
Eu fico
Entro na casa do rico
Penetro até o fogão
Aonde eu encontrar pão
Eu como
Quem não quiser dar eu tomo
Vencerá quem for mais forte
Quem for fraco que se entorte
Nesta hora
Sei que meu filho não chora
Nem morre a falta de pão
Que em tal situação
Eu brigo
Se seca fosse castigo
Eu seria conformado
Do triste êxodo é culpado
O governo
Faz do nordeste um enfermo
Seu paraíso o erário
Donde sai milionário
A custa
De um povo que a seca assusta
Morrendo de fome e sede
Vende as roupas, vende a rede
De dormi
Sendo obrigado a fugir
De pé para outro estado
Deixando seu berço amado
E querido
Filhos, esposa e marido
Partem da sua terrinha
Deixando aquela casinha
Amada
Vou seguir na mesma estrada
Perdi tudo que plantei
Brevemente partirei
Também
Não vou brigar com ninguém
Segurei com toda calma
Para isso eu tenho a alma
Preparada
Eu sou cabra da enxada
Sou da foice e do machado
Eu só nunca fui passado
Em moinho
Piso na ponta do espinho
Durmo no meio da estrada
Viajo montado em nada
E vou
Pra tudo no mundo eu sou
Pra compra e pra vender
Não sou homem é pra morrer
De fome
Na terra que não se come
Eu não demoro um minuto
Se alguém me chamar de bruto
Eu digo
Desculpe meu bom amigo
Não me agrave desse tanto
Você sabe, eu não sou santo
E nem defunto
Julho de 1942
Adaptada para o Livro o Cearense
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